sábado, 3 de maio de 2014

PROFESSOR REFLEXIVO

PROFESSOR REFLETINDO NA AÇÃO E SOBRE A ÇÃO

 

 Raimundo J. Barbosa Brandão

Etimologicamente, a origem da palavra “Professor” tem sentido polissêmico, tanto quanto a denotação do termo na atualidade. Do latim, tem-se “profiteri’, com o mesmo significado de “por fateri”, que significa confessar; da família “magister” (COVARRUBIAS, 1994); originário do termo “docens”, que deriva de “docere”, que significa ensinar.

No processo de ensinar, muitas vezes o mediador se vê diante de situações que precisam de uma decisão urgente e decidir diante de incertezas é uma missão muitas vezes complexa para o professor, que frequentemente não participa das elaborações dos currículos e das políticas educacionais.

Para minimizar esta complexidade é fundamental que se tenha professores bem preparados e compromissados com o processo educativo.

Nesta perspectiva concorda-se com Borralho (1997) que não há ensino de qualidade, nem reforma educativa de qualidade e inovação pedagógica sem uma formação adequada para o professor.

Diante destas questões é urgente refletir na formação docente a respeito de novas maneiras de se apoderar e usar os diversos saberes essências às práticas educativas. A reflexão na e sobre a prática permite que o professor reavalie a sua atuação de desta forma, reinventa e assume papel central na ação. Por tanto é fundamental mudança de atitude, maneira de pensar e agir, bem como a forma de compreender e explicar a construção histórica e social dos objetos de aprendizagem.

Para Dewey (1959, 1979) apud Dorigon e Romanowski (2008, p.11), o pensamento reflexivo tem uma função instrumental, origina-se no confronto com situações problemáticas, e sua finalidade é prover o professor de meios mais adequados de comportamento para enfrentar essas situações. Quando surge uma situação que contenha uma dificuldade ou perplexidade, podemos contorná-la ou enfrentá-la e assim começamos a pensar e refletir, forçosamente, começamos a observar para analisarmos as condições.

Compreender os problemas relativos à formação de professor reflexivo, é importante a leitura de pesquisadores como Zeichner (1993, 1997, 2008), Shulman (1986, 1987) na abordagem do conhecimento pedagógico do conteúdo, Perrenoud (2000) discorrendo sobre as competências que os professores precisam desenvolver para ensina e Schön (1983, 1992, 2000)  refletindo na ação e sobre a ação.

Para Shulman (1989, p. 19) “reflexão é um processo pelo qual o professor aprende a experiência”, é a prática do professor quando (re)constrói seus saberes, crenças, valores e ações.

Donald Schön foi um dos primeiros pesquisadores a criticar o modelo da racionalidade técnica e iniciar estudos sobre formação de professor reflexivo (1983, 1987, 1997 e 2000), a importância do professor refletir sobre o que ele está fazendo como parte do processo de sua prática pedagógica serviu para despertar o interesse de outros investigadores sobre o tema.

Nos trabalhos de Schön (1983), o que Dewey (1933, 1980) chamou de reflexão, ele chama de conhecimento na ação, que consiste numa atividade de rotina, sem a necessidade de um pensamento consciente e consistente. Para este autor, a reflexão ocorre de três modos diferentes: reflexão na ação, reflexão sobre a ação. Com relação ao aluno, o professor reflete sobre as ações dos alunos dando-lhes possibilidades de testar hipóteses que elaborou sobre a forma de pensamento do aluno.

·                    Reflexão na ação – significa pensar no que se faz enquanto se está fazendo. É um momento de atualização, renovação e (re)construção de conhecimentos. A reflexão na ação, segundo Schön (1983), ajuda na conclusão de uma tarefa e a experimentação em curso permite obter uma resposta correta. Schön apresenta alguns conceitos importantes para a reflexão na ação:

a)           Conhecimento tácito – é conhecimento do individuo quando está fazendo alguma coisa (Schön, 1983), é algo automático e intuitivo. O saber é normalmente tácito quando estamos lidando com as coisas. Por exemplo, quando se aprende a calcular o coeficiente de correlação entre duas variáveis, teve que pensar sobre o que estava fazendo.

Encontra-se em Nonaka & Takeuchi (2001) que a ideia de conhecimento tácito foi trabalhada por Michael Polanyi (1966), após refletir sobre a frase “nós podemos saber mais do que podemos dizer”.

Para Polanyi (1972), as línguas oferecem a vantagem da comunicação verbal, mas essa articulação não torna necessariamente o indivíduo mais informado. Aqui se pode compreender que as possíveis incoerências ou omissão do pensamento comunicado, através da linguagem, oferecem apenas segmentos da informação, que podem ser manipuladas ou tendenciosas. Na concepção desse pesquisador, o conhecimento tácito acontece por meios de experimentos, pela experiência de vida, do conhecimento pessoal de cada indivíduo.

Predomina na concepção de ciências (POLANYI, 1969), a disjunção da subjetividade e da objetividade, e isso elimina o seu caráter pessoal e suas apreciações. Isso leva à conclusão que o conhecimento tácito ultrapassa a dicotomia e conduz o contato íntimo entre ciência e indivíduo.

a.1) Saber em ação – o saber em ação é um bom indicador para o conhecimento que o indivíduo possui no seu interior quando ele realiza sua atividade de forma natural. É o chamado saber prático pessoal.

b) Refletindo na ação – esta atitude ocorre quando o indivíduo é capaz de fazer a avaliação e efetuar modificações no ambiente do evento. Para quem tem habilidade em trabalhar em situações de incerteza ou dúvida é uma ação relativamente fácil, porém àqueles menos habilidosos o desfio é maior.

Schön (1983) esclarece que as pessoas que passam muito tempo fazendo a mesma atividade, com as mesmas estratégias, perdem oportunidades importantes em pensar no que está fazendo, pois são atraídos por certos tipos de erros padrões tornando-se um pouco difícil para correção.

Para Caine & Caine (1997), a forma pela qual uma pessoa faz reflexão sobre o que faz está intimamente associada à forma que se percebe o mundo e os modelos em que se encontra fundamentado estas percepções.

b.1) Incerteza – para Morin (2003), conhecer e pensar não é chegar a uma verdade absolutamente certa, mas está falando com a incerteza.

A incerteza parece ser um dos mais relevantes elementos que constitui a cultura contemporânea, se encontra no centro das discussões científicas e, é fundamental nos processos de mudanças, uma vez que tem papel decisivo na interpretação da realidade.

Acredita-se que este elemento tenha uma grande utilidade na vida dos profissionais em geral, incluindo os professores, pois a ciência já não parece ser capaz (HARGREAVES, 1998) de mostrar como o indivíduo vive com alguma certeza ou estabilidade. Na sociedade atual, a dúvida se encontra em toda parte, e a única certeza que se tem é que o amanhã será muito diferente do dia de hoje, pois as “supostas certezas científicas” são questionadas a todo instante e, não tem “credibilidade absoluta”. Isto leva o sujeito a constante reflexão em suas ações e conduzem aos processos de mudanças.

·      Reflexão sobre a ação – ao final da execução de uma atividade de trabalho ou de ensino, convém a realização de uma avaliação para se detectar avanços ou retrocessos.

Para o docente, é muito importante fazer reflexões sobre o que foi feito durante uma ação pedagógica, pois neste momento de pensar “nós refletimos sobre a ação, pensando o que temos feito, a fim de descobrir como o nosso conhecimento na ação pode ter contribuído para um resultado inesperado”. (SCHÖN, 1983, p. 26).

Para Schön (1983), a capacidade de refletir na ação e sobre a ação, tornou-se uma característica importante dos programas de formação profissional em muitas disciplinas, isto é visto como um papel importante no início da profissão docente.

 

REFERÊNCIAS

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